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Garantias e Privilégios do Crédito Tributário

GARANTIAS E PRIVILÉGIOS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

As garantias são os meios jurídicos assecuratórios que o estado pode utilizar para receber a prestação do tributo. Os privilégios dizem respeito à posição de superioridade de que desfruta o crédito tributário, quando comparado com os demais créditos.

Por uma questão didática, foi abordado na ordem feita pelo Código Tributário Nacional, no qual é analisado as disposições gerais, constantes nos artigos 183 a 185-A, para em seguida comentar sobre os artigos 186 a 193, agrupados na seção que versa sobre as preferências.

DISPOSIÇÕES GERAIS

O artigo que inaugura o tema é o 183 do Código Tributário Nacional, que possui a seguinte redação:

 

Art. 183. A enumeração das garantias atribuídas neste Capítulo ao crédito tributário não exclui outras que sejam expressamente previstas em lei, em função da natureza ou das características do tributo a que se refiram (...)

 

Como se observa, o rol das garantias constantes do Código Tributário Nacional não é exaustivo. Outras mais podem ser estabelecidas por meio de leis ordinárias federais, estaduais e municipais. É o que defende Paulo de Barros Carvalho, Regina Helena Costa, Luís Eduardo Schoeuri e Paulo Caliendo. Nas palavras desse último jurista, “Não há limitação do texto a criação de garantias por meio de lei ordinária, seja esta de natureza federal, estadual, distrital ou municipal”.

Não fosse assim, haveria uma invalidade da Lei 9.532/97 e da Lei 8.397/1992, que introduziram o arrolamento fiscal e a medida cautelar fiscal.

No entanto, isso não significa que a lei ordinária possa contrariar as disposições previstas pelo Código Tributário Nacional. As normas introduzidas por esse diploma legislativo são gerais e cogentes. O que a lei ordinária pode fazer é tão somente criar outras garantias ou privilégios que com elas sejam compatíveis.

Quanto ao parágrafo único do artigo 183, tem-se que ele dispõe da seguinte forma:

 

Art. 183. (...)

Parágrafo único. A natureza das garantias atribuídas ao crédito tributário não altera a natureza deste nem a da obrigação tributária a que corresponda.

 

Assim, o fato de o devedor ter garantido a execução fiscal com uma fiança, por exemplo ( instituto que é disciplinado pelo direito privado), não altera a natureza do crédito tributário.

 

O artigo 184 possui a seguinte redação:

 

Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens    e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis.

 

Por força desse dispositivo, responde pelo crédito tributário todos os bens do sujeito passivo, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, excetuados tão somente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis.

Nessa esteira, é irrelevante, por exemplo, que o imóvel do sujeito passivo esteja hipotecado por uma dívida bancária (gravado por ônus real), porque isso não impede que ele seja excutido para satisfação do crédito tributário. O mesmo ocorre com o bem imóvel recebido pelo sujeito passivo em doação, no qual conste cláusula de impenhorabilidade. Embora essa circunstância impeça a sua alienação para satisfação de dívidas contraídas com particulares, não é óbice à penhora e arrematação para quitação de créditos de natureza  tributária.

Assim, apenas não podem ser penhorados os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis, do que são exemplos o bem de família, previsto pela Lei 8.009/90; e aqueles arrolados no artigo 833 do CPC, que colacionamos abaixo:

 

Art. 833. São impenhoráveis:

- os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

- os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

- os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

- os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;

- os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

- o seguro de vida;

- os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

- a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

- os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

- a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

- os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;

- os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliaria, vinculados à execução da obra. (risco nosso)

Observem que, no inciso I, riscamos o seguinte trecho: “declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução”. A razão repousa no fato de que, como mencionamos anteriormente, não se aplica ao crédito tributário a impenhorabilidade constituída por ato voluntário.

 

O artigo 185 do CTN versa sobre a fraude à execução fiscal:

 

Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.(Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

 

Como se pode observar do dispositivo, o marco temporal utilizado pela Lei para caracterização da fraude à execução é a inscrição do crédito em dívida ativa, que ocorre antes mesmo do ajuizamento da ação de execução fiscal.

Assim, o regramento aplicável ao fisco com relação aos créditos tributários é mais favorável do que o existente em favor dos credores privados. Com relação a estes últimos, incide o disposto no artigo 792 do CPC, que pressupõe para o reconhecimento da fraude à execução a existência de uma demanda judicial ou de uma constrição judicial:

 

Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

  1. - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
  2. - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
  3. - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
  4. - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
  5. - nos demais casos expressos em lei.

 

De toda forma, como evidencia o parágrafo único do artigo 185, não é toda alienação após a inscrição em dívida ativa que se constitui em fraude à execução, mas tão somente aquelas que sejam realizadas sem que o devedor tenha reservado bens para o pagamento da dívida inscrita. Assim, por exemplo, nada impede que o sujeito passivo, contra quem paira dívida inscrita no valor de R$ 500.000,00, aliene imóvel no valor de R$ 700.000,00, desde que mantenha em sua propriedade bens cuja soma seja superior à dívida inscrita.

Ainda quanto ao tema, é importante consignar que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da inaplicabilidade da Súmula 375 à fraude à execução fiscal:

Súmula nº 375:

O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

O fundamento é o de que, tratando-se de alienação realizada após a inscrição em dívida ativa sem que tenham sido reservados pelo sujeito passivo bens suficientes ao total pagamento da dívida, a presunção de fraude à execução é absoluta, sendo irrelevante que o terceiro tenha adquirido o bem de boa-fé.

Assim, se o devedor X, contra quem há dívida tributária inscrita no valor de R$ 200.000,00, vender a Y um imóvel de sua propriedade - sem reservar bens para garantir a integralidade da dívida - pode o fisco penhorar o bem transacionado e levá-lo a leilão para satisfação do seu crédito, sendo irrelevante a circunstância de o terceiro adquirente ter agido de boa-fé.

Assim, o artigo 185 do Código Tributário Nacional exige cautela redobrada de quem adquire um bem – sobretudo quando for um imóvel - sendo importante a consulta acerca da existência de créditos inscritos em dívida ativa no nome do alienante.

Por fim, dispõe o artigo 185-A do Código Tributário Nacional:

 

Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

§ 1o A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

§ 2o Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

 

Como se pode observar, três são os requisitos para que a indisponibilidade possa ser decretada:

a) citação do devedor; b) ausência de indicação de bens à penhora pelo devedor; c) não terem sido encontrados bens penhoráveis pela Fazenda Pública.

Os dois primeiros requisitos não oferecem dificuldades, sendo decorrência do próprio procedimento adotado pela Lei de Execuções Fiscais. De fato, no modelo adotado pela Lei 6.830/80, citado o devedor, este tem o prazo de cinco dias para pagar a dívida ou garantir a execução:

 

Art. 8º - O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas: (...)

 

O terceiro requisito é que gerava maior controvérsia, porque a lei não estabelece quando que se deve entender que não foram encontrados bens pelo credor. Seria necessário o esgotamento das diligências por parte do fisco ou bastaria que a penhora sobre conta corrente não obtivesse êxito? Em caso positivo, quais são os atos necessários para se considere esgotadas as diligências?

O tema foi pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, mediante a edição de súmula sobre o assunto:

Súmula 560: A decretação da indisponibilidade de bens e direitos, na forma do art. 185- A do CTN, pressupõe o exaurimento das diligências na busca por bens penhoráveis, o qual fica caracterizado quando infrutíferos o pedido de constrição sobre ativos financeiros e a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado, ao Denatran ou Detran.

Assim, é necessário o exaurimento das diligências, que se considera ocorrido quando: a) restar infrutífero o pedido de constrição sobre ativos financeiros (Bacenjud); b) for comprovado pelo fisco a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado – como cartórios de registro de imóveis – sem que tenham sido encontrados bens; c) tenha o credor enviado ofícios ao Denatran ou Detran com pedido de informações sobre veículos em nome do devedor.

Realizadas essas diligências e tendo o devedor, devidamente citado, não apresentado bens à penhora, pode o magistrado determinar a indisponibilidade de bens e direitos em nome do executado, mediante cadastro da decisão na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens. Esse sistema permite que a ordem de indisponibilidade chegue ao conhecimento de diversos órgãos registrais do País, impedindo que o sujeito passivo aliene os bens de sua propriedade. Além disso, a medida facilita a localização desse patrimônio, porque o parágrafo segundo determina que, uma vez cumprida a indisponibilidade, cabe aos órgãos e entidades registrais informar ao juízo sobre o cumprimento da decisão.

Por outro lado, caso se constate que a indisponibilidade atingiu bens diversos cuja soma é superior ao valor cobrado, deve o magistrado determinar o levantamento dos bens ou valores que excederem a esse limite, conforme determina o parágrafo primeiro do dispositivo.

PREFERÊNCIAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

O Código Tributário Nacional disciplina o grau de preferência atribuído ao crédito tributário quando comparado com os créditos provenientes de outras fontes, como de relações trabalhistas ou contratuais.  A regra geral que disciplina o tema se encontra inserida no caput do artigo 186 do Código Tributário Nacional, que dispõe no seguinte sentido:

 

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. (Redação dada pela Lcp nº 118, de  2005)

Portanto, como regra geral, o crédito tributário prefere a qualquer outro, independentemente da natureza ou do tempo da sua constituição, ressalvados apenas os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho.

Há entendimento no sentido de que esse dispositivo seria parcialmente inconstitucional, porque os créditos de natureza alimentícia também teriam preferência sobre o crédito tributário. Nesse sentido, já decidiu o TRF da 4ª Região:

 

“INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO ARTIGO 186 DO CTN 1. O dispositivo em comento fere a Constituição Federal, ainda que de forma parcial, já que atenta contra o princípio de proteção prioritária assegurado à criança e ao adolescente ( art. 227 CF); contra o dever de assistência imposto pelo artigo 229 da CF; bem como consagra, em situações como a dos autos, tratamento anti-isonômico, conferindo maior proteção aos empregados que aos filhos do indivíduo. 2. Incidente de arguição de inconstitucionalidade acolhido” (TRF4, Corte Especial, ARGINC 2009.04.00.033108-1, Rel. Luciane Amaral Corrêa Münch, DE 14-9-2010).”

 

Um exemplo auxilia a compreender o dispositivo: Imaginemos que o sujeito passivo X possui diversas dívidas. Ele deve R$ 200.000,00 para uma instituição financeira, R$ 150.000,00 para os seus empregados e R$ 100.000,00 para a União Federal, referente a tributos inadimplidos. A dívida da instituição financeira foi garantida por meio de hipoteca de um imóvel de sua propriedade. Os demais débitos não se encontram garantidos. Passado algum tempo sem que o sujeito passivo fizesse o pagamento voluntário, a instituição financeira ingressou com a ação de execução, requerendo a penhora e a arrematação do imóvel hipotecado. Igual medida foi tomada pelos empregados e pela União Federal, que nas suas ações de execução penhoraram o bem imóvel hipotecado pela instituição financeira. Não foram encontrados outros bens de propriedade do executado. O imóvel foi arrematado por R$ 250.000,00. Nessa perspectiva, como deve ser repartido o valor arrecadado?

Por força do artigo 186 do Código Tributário Nacional, a preferência é dos créditos decorrentes da legislação do trabalho. Assim, os empregados devem receber o valor de R$ 150.000,00, o que representa a quitação da dívida com relação a eles. O valor remanescente, de R$ 100.000,00, deve ser repassado para a União Federal, por se tratar de dívida de natureza tributária. Como houve o esgotamento do valor arrecadado, nada é repassado à instituição financeira.

Embora essa seja a regra sobre a preferência do crédito tributário, há importante exceção, constante do parágrafo único do artigo 186, que disciplina a ordem de preferência no caso de falência:

 

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

Parágrafo único. Na falência: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

– o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

– a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

– a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados. (Incluido pela Lcp nº 118, de 2005

Por força do inciso III do artigo 186, que deve ser interpretado em conjunto com o artigo 124 da Lei 11.101/20059, no caso de falência do devedor há a necessidade de fracionamento do crédito tributário em três partes: a) valor do tributo acrescido de correção monetária e juros até a data da falência; b) valor das multas tributárias; c) valor dos juros moratórios vencidos após a decretação da falência.

As multas tributárias preferem apenas aos créditos subordinados na falência, ou seja, são pagas somente se os créditos das seguintes classes forem satisfeitos: i) créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; ii) créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; iii) valores devidos a título de tributo, correção e juros vencidos até a data da quebra; iv) créditos com privilégio especial; v) créditos com privilégio geral; vi) créditos quirografários

Os juros moratórios vencidos após a decretação da falência possuem posição ainda menos privilegiada, conforme evidencia o artigo 124 da lei 11.101/2005:

Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados.

Assim, eles somente são pagos se todos os credores subordinados também o forem, o que é algo bastante raro na prática.

O valor devido a título de tributo acrescido de correção monetária e juros até a data da falência possui preferência sobre a maior parte dos créditos, salvo com relação: i) aos créditos extraconcursais; ii) às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei; iii) aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; iv) aos créditos decorrentes da legislação do trabalho ou de acidente do trabalho, no limite estabelecido pela legislação.

Os créditos extraconcursais (i) são aqueles que dizem respeito às obrigações ocorridas após a falência ou durante o curso da recuperação judicial, conforme enuncia o artigo 84 da Lei 11.101/2005:

Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:

– remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;

– quantias fornecidas à massa pelos credores;

– despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;

– custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;

– obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

A razão da opção legislativa é óbvia, se a remuneração do administrador judicial, por exemplo, se submetesse ao concurso de credores, poucos se interessariam pelo exercício da função, dada a possibilidade de o crédito não ser recuperado. O mesmo se dá com os atos praticados durante a fase de recuperação judicial da empresa. Se não existisse a norma do inciso V do artigo 84, que considera as obrigações assumidas nesse período como extraconcursais, dificilmente alguma instituição financeira ou algum fornecedor concederia crédito à pessoa jurídica recuperanda, pelo risco iminente de falência da pessoa jurídica.

As importâncias passíveis de restituição (ii) concernem àqueles bens ou direitos que sequer são de propriedade do falido, razão pela qual não podem ser utilizados para satisfação do crédito tributário. Exemplo bastante corriqueiro é do bem alienado fiduciariamente ao falido. Embora o devedor tenha a posse, a propriedade é do credor fiduciário, que tem o direito de pedir a sua restituição ao juízo falimentar.

Diferentemente do que ocorre quando não há a falência do devedor, os créditos com garantia real têm preferência sobre o crédito tributário na falência, até o limite do valor do bem gravado (iii).

Assim, imaginemos que o devedor falido X possui diversas dívidas. Ele deve R$ 200.000,00 para um credor hipotecário (instituição financeira), R$ 100.000,00 para a União Federal, referente a tributos inadimplidos, e R$ 1.000.000,00 para fornecedores sem qualquer garantia. Supomos que o único bem de sua propriedade seja justamente aquele que foi hipotecado, o qual foi arrematado na falência pelo valor de R$ 250.000,00. Nessa perspectiva, como deve ser repartido o valor arrecadado?

Por força da regra do inciso I do artigo 186, a preferência é do credor com garantia real, no caso a instituição financeira, que deve receber a quantia de R$ 200.000,00. O valor remanescente, de R$ 50.000,00, deve ser repassado à União Federal, o que implica apenas na quitação parcial dos tributos devidos. Os fornecedores, por outro lado, nada recebem.

Os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou de acidente do trabalho (iv) mantêm, também na falência, a preferência sobre o crédito tributário, mas com uma diferença. Nesse caso, a lei pode estabelecer limites para fruição da preferência, o que efetivamente o fez com a edição da Lei 11.101/2005, cujo artigo 83 dispõe no seguinte sentido:

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta)  salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; (...)

Os créditos trabalhistas que excederem ao limite de 150 salários-mínimos são quirografários, não preferindo ao crédito tributário, conforme determina o inciso VI do artigo 83 da Lei 11.101/2005.

Tudo o que dissemos vale para os créditos tributários que se submetem ao concurso de credores, porque seus fatos geradores ocorreram antes da falência. Mas há também os créditos tributários extraconcursais, provenientes de obrigações surgidas após a decretação da falência do devedor, do que é exemplo o IPTU incidente sobre os imóveis do falido. Sobre o tema, colacionamos o artigo 188 do Código Tributário Nacional e o artigo 84, inciso V, da Lei 11.101/2005:

Código Tributário Nacional

Art. 188. São extraconcursais os créditos tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos no curso do processo de falência. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

§ 1º Contestado o crédito tributário, o juiz remeterá as partes ao processo competente, mandando reservar bens suficientes à extinção total do crédito e seus acrescidos, se a massa não puder efetuar a garantia da instância por outra forma, ouvido, quanto à natureza e valor dos bens reservados, o representante da Fazenda Pública interessada.

 § 2º O disposto neste artigo aplica-se aos processos de concordata.

LEI 11.101/2005

Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:

– remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;

– quantias fornecidas à massa pelos credores;

– despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;

– custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;

– obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

Os créditos extraconcursais são pagos prioritariamente sobre todos os créditos concursais. Assim, por exemplo, entre o pagamento do IPTU que incidiu após a falência e os valores provenientes das obrigações trabalhistas geradas antes da quebra, deve-se pagar em primeiro lugar o crédito do IPTU.

Em existindo mais de um crédito extraconcursal, deve-se observar a ordem prevista pelo artigo 84 do Código Tributário Nacional, e dentro do inciso V do artigo 84, a ordem prevista pelo artigo 83, no caso de obrigações surgidas após a falência ou recuperação judicial.

O caput do artigo 187, por sua vez, determina que “a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento”.

Isso significa que não é necessário que seja realizada a habilitação do crédito tributário na falência, recuperação judicial, inventário ou arrolamento, podendo-se prosseguir na execução fiscal.

No âmbito da falência, inclusive, caso o bem já tenha sido penhorado na execução fiscal antes da quebra do devedor, é possível ao credor requerer o prosseguimento da excussão. Nesse caso, em ocorrendo o leilão do bem, deve o valor arrecadado ser remetido ao juízo falimentar, para que seja distribuído aos credores, segundo a ordem de preferência legal 10.

Por outro lado, uma vez ocorrida a falência, não pode o credor requerer na execução fiscal a penhora de bens de propriedade do falido. Nesse caso, o que a Fazenda Pública pode fazer é requerer a penhora do crédito tributário no rosto dos autos do processo falimentar, para que seja observada a ordem de preferência do crédito tributário no juízo universal11.

O parágrafo único do artigo 187 estabelece uma ordem de preferência entre os créditos tributários das entidades federativas:

Art. 187. (...)

Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:

- União;

- Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata; III - Municípios, conjuntamente e pró rata.

 

 

Por força desse dispositivo, existindo penhoras de entidades federativas diversas sobre o mesmo bem, deve-se pagar em primeiro lugar os créditos tributários da União, depois os créditos tributários dos Estados, Distrito Federal e Territórios, e por último os créditos tributários dos Municípios.

Essa regra foi complementada pelo artigo 29 da Lei de Execuções Fiscais, que possui a seguinte redação:

Art. 29 da Lei 6.830/80

A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento

Parágrafo Único - O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:

- União e suas autarquias;

- Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata;

- Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.

 

A diferença entre um dispositivo e outro é que, neste último, foram incluídos os créditos das autarquias, que gozam da mesma preferência estabelecida à entidade federativa correspondente.

Embora haja vozes na doutrina no sentido da inconstitucionalidade desses dispositivos, por ofensa ao princípio da isonomia entre as pessoas políticas, não é isso que tem predominado na jurisprudência. Quanto ao tema, há inclusive Súmula do Supremo Tribunal Federal, proferida na época da ordem constitucional pretérita:

Súmula 563: O concurso de preferência a que se refere o parágrafo único, do art. 187,  do CTN, é compatível com o disposto no art. 9º, I, da CF/67.

Em julgado repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça considerou que o crédito tributário de autarquia federal goza do direito de preferência em relação àquele de que seja titular a Fazenda Estadual, desde que coexistentes execuções e penhoras.

Os artigos 189 e 190 dispõe no seguinte sentido:

Art. 189. São pagos preferencialmente a quaisquer créditos habilitados em inventário ou arrolamento, ou a outros encargos do monte, os créditos tributários vencidos ou vincendos, a cargo do de cujus ou de seu espólio, exigíveis no decurso do processo de inventário ou arrolamento.

Parágrafo único. Contestado o crédito tributário, proceder-se-á na forma do disposto no § 1º do artigo anterior.

Art. 190. São pagos preferencialmente a quaisquer outros os créditos tributários vencidos ou vincendos, a cargo de pessoas jurídicas de direito privado em liquidação judicial ou voluntária, exigíveis no decurso da liquidação.

 

Os artigos 189 e 190 se aplicam nos casos de inventário e liquidação, quando o sujeito passivo for solvente, ou seja, consegue adimplir com todas as suas obrigações. Nesse caso, o pagamento do crédito tributário deve ser realizado com prioridade sobre os demais créditos.

O artigo 191 não apresenta dificuldades, apenas condicionando a extinção das obrigações do falido a prova da quitação de todos os tributos. Mais polêmico é o artigo 191-A, que dispõe no seguinte sentido:

Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

Por força dessa regra, a concessão da recuperação judicial fica condicionada a uma das seguintes circunstâncias, no que tange aos créditos tributários: i) quitação de todos os tributos; ii) apresentação de certidão negativa; iii) certidão positiva com efeitos de negativa.

Nessa esteira, ocorrida a suspensão dos créditos tributários por qualquer das hipóteses do artigo 151 do CTN, faz-se possível a concessão da recuperação judicial, porque o contribuinte, muito embora não tenha quitado seus tributos, obtém uma certidão positiva com efeitos de negativa. O mesmo ocorre se o sujeito passivo garante a dívida com uma penhora suficiente à satisfação do crédito, conforme enuncia o artigo 206 do CTN:

Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.

Quanto ao tema, o parcelamento é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e o artigo 155-A, §3º, prevê que a lei deve dispor sobre condições de parcelamento do devedor em recuperação judicial. Com base nesse raciocínio, o STJ tem precedentes no sentido de que, caso haja mora da entidade federativa na edição dessa lei, não se pode exigir a apresentação de certidões de regularidade fiscal para concessão da recuperação judicial.

Por fim, dispõe os artigos 193 e 193 do CTN:

Art. 192. Nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas.

Art. 193.  Salvo quando expressamente autorizado por lei, nenhum departamento da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, ou dos Municípios, ou sua autarquia, celebrará contrato ou aceitará proposta em concorrência pública sem que o contratante ou proponente faça prova da quitação de todos os tributos devidos à Fazenda Pública interessada, relativos à atividade em cujo exercício contrata ou concorre.

Os dispositivos são autoexplicativos, dispensando maiores comentários. O artigo 192 condiciona a sentença de partilha ou adjudicação à prova da quitação de todos os tributos do espólio. É o que também dispõe o artigo 654 do CPC:

Art. 654. Pago o imposto de transmissão a título de morte e juntada aos autos certidão ou informação negativa de dívida para com a Fazenda Pública, o juiz julgará por sentença a partilha.

O artigo 193, por sua vez, afirma que, salvo quando expressamente autorizado por lei, a celebração de contrato ou a aceitação de proposta em concorrência pública só podem ser realizadas mediante comprovação do interessado de que realizou a quitação de todos os tributos devidos à Fazenda Pública interessada, no que tange à atividade em cujo exercício contrata ou concorre.

Assim, o artigo 193 impõe apenas a comprovação da quitação dos tributos com relação à Fazenda Pública interessada, e desde que relativos à atividade a que pretende ser contratado.

Não obstante, há normas mais rigorosas do que a do artigo 193, como a prevista pelos artigos 27 a 29 da Lei 8.666/93:

Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

I - habilitação jurídica;

II - qualificação técnica;

III - qualificação econômico-financeira;

IV - regularidade fiscal e trabalhista; (...)

Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:

- prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC);

- prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;

- prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;

- prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei.

– prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.

Portanto, o atendimento à exigência do artigo 193 do CTN pode não ser o suficiente para que a pessoa jurídica seja contratada pelo poder público.

 

Finalizamos por aqui, sem pretensão de esgotar todo o conteúdo, esperando que ajude em sua pesquisa e possa aclarar possíveis dúvidas sobre o tema.

 

 

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